Dois atómos sutis no revéillon
Não sei que referência cultural, que clichê lingüístico, que cacofonia ou expressão idiomática tiro da manga do paletó para descrever a beleza do revéillon de Copacabana, visto a 1250 metros de altura, do platô da Pedra Bonita. Se pintura, um quadro de Jackson Pollock no céu da Zona Sul. Se música, um louvor de esperança para os que carecem de espiritualidade.
Atente para o pôr-do-sol, crepúsculo tão óbvio, já tão fotografado, ultrapassando os limites da sua banalidade. Afinal, o que dizer se tudo já foi dito?
Sei - é preciso manter-se anônimo diante da fragilidade da língua e de sua total incapacidade para descrever fielmente (e elegantemente, porque aprendemos a ter bom-gosto ) as espécies, desde a simples flor ao mais ultrajante hipopótamo iluminados pelo sol. Poder-se-ia (mesóclise, por que não?) alegar que não há palavras para descrever. Nem mesmo os deuses as teriam, afirmativa esta próxima da heresia, pois a eles, os deuses, não faltam palavras. Conhecem-nas todas. Se não as usam é porque preferem o silêncio, o escuro, a bolha d'água no mar revolto.
É preciso encher a boca de saliva para cuspir a palavra mais longa que se conhece, amaldiçoando-a com o último traço...E, da mais singela, colher a beleza e entregá-la a ti, como fiel depositária.
Afinal, um nome comum, grafado na certidão de uma nova criança, transforma a todas em Cláudias iguais? Mas, quais!!! Prazeres diferentes.
Foi tudo muito bonito, somente, simplesmente. Pronto, fica aqui esse adjetivo, o dito pelo não dito, que, fértil e simples, dá na boca de todo mundo, assim como a maria-sem-vergonha dá em qualquer mato, descampado ou jardim de primavera. Fica aqui o espanto de ver que o Rio é bonito demais do alto. Do que eu concluo que as praias e todas as belezas naturais da cidade não foram feitas propositadamente para serem vistas das varandas dos condomínios caros da Avenida Vieira Souto, mas foram talhadas para serem admiradas pelo próprio Artesão que as projetou, lá da sua morada no céu.
Frases todas muito óbvias, mas é assim, óbvia, a mata atlântica, verde simplesmente; o céu azul, azul somente. Lá embaixo, as casas encravadas no meio da floresta nos dão a sensação de que podemos reduzir a velocidade de nossos ponteiros. E, a Rocinha, de longe, desperta em nós o que, hoje, é tão difícil de se manter acesa - a misericórdia, a caridade. De longe, tudo é belo, todos são iguais, o trabalho é um fardo leve, e amanhã é um belo dia de sol no firmamento.
O ano finalmente vira. As pessoas se abraçam, suas bocas sabendo ainda a cereja...recomenda-se não esquecer de fazer um pequeno gargarejo com o espumante...a comida é saborosa...a cidra foi barata... a noite não é fria, traz apenas um vento veloz que passa como o trem, lotado, repleto de de eletricidade vital, mais uma das mecânicas do universo. E, não vou aqui fazer ponderações metafísicas, porque o abraço da boa companhia me faz perceber que estou vivo e isso importa mais do que ter dinheiro na conta bancária para pagar pelo ingresso para o céu.
2007 não é apenas um ano, mas será o melhor ano de nossas vidas, e 2008, alguns dígitos melhor e, de dígito em dígito, iremos ultrapassando nossos limites, até que, ao contrário do que vociferam alguns, chegaremos não ao apocalipse, mas a um novo gênesis de nossa existência. Pois somos puros e verdadeiros, somente, simplesmente... dois átomos sutis.


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