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Tuesday, December 06, 2005

Alhos e bugalhos

Leio jornais todos os dias por obrigação. Gostaria na verdade de ler gibis. Mas, é preciso estar informado do ambiente de trabalho à mesa do bar. Não ser pego de surpresa em minha ignorância. Saber o valor da Ufir, o nome do secretário especial para assuntos especiais, o gabarito completo do supletivo que o leitor pede insistentemente pelo telefone às 21h e anota letra por letra, soletrando a sua burrice e a minha impaciência, enquanto me desespero com a possibilidade de ser eu o responsável pelo atraso do fechamento do jornal.

De fato, acho as notícias jornalísticas todos os dias preocupantes. Estamos com medo. Falo por mim. Hoje, sexta-feira, dia 2 de dezembro, há incêndio de ônibus com cinco mortes na página 3, mas se vc for supersticioso com esse número, pule para a página 19 ( sim, vc está mais perto da editoria de esportes) e leia a desventura de um carioca, negro, que morreu na fila do Hospital Rocha Faria por falta de atendimento. Uma morte, menos mal.

Concluo que vivemos um dilema urbano: ou morremos atacados por traficantes dentro do ônibus na volta do trabalho ou na fila do hospital público, sem médicos, sem equipamentos. Não sei o que eu escolho. Não eu, tenho plano de saúde. Talvez um amigo, um parente, talvez o leitor que insiste em conferir o gabarito todo de novo. Se me chamasse Sofia, eu o escolheria.

Sabemos que não são casos isolados. O prefeito e a governadora também. A verdade é que todos sabemos que a Saúde e a Segurança Pública são dois problemas extremos do estado há muuuuuito tempo. Deveriam ser tratados como prioridade. Mas, não são. Se não por que um policial ganha tão pouco? É fácil prendê-lo tão logo se envolva em ato de corrupção. É dever também. Mas também é dever do estado pagar o auxílio-reclusão a suas famílias, cumprindo-se um dispositivo que está na lei. Aos brutos, que seja só pela lei.

Mas, o governo do estado não paga. Prefere ter o poder de escolher famílias para doar cheque-cidadão, atacando assim uma miséria que ajuda a fortalecer. Por que dá almoço a R$ 1 para os pobres, mas paga salários pífios a faxineiros que trabalham nos órgãos públicos, e o que é pior: com atraso de quatro, cinco meses? Por que não paga sentenças judiciais a doentes, mas inaugura uma farmácia popular a cada esquina, algumas, para não dizer a maioria, sem medicamentos à disposição? O estado não cumpre os dissídios de seus funcionários, mas quer obrigar os empregadores a pagar salários mínimos de R$ 369!

O que adianta combater a violência a tiros, mas alimentá-la com populismo?

A cadeia se fecha com o atendimento no hospital. Aí entra a prefeitura (o estado tb, mas vou dar um refresco), preocupadíssima com os camelôs, com a segurança pública que não lhe diz respeito, com a ordem urbana, com o caos das ruas, com o cocô do cachorro da dondoca de Ipanema. Começo a achar que tal paranóia em manter as calçadas livres e todos os factóides dos últimos anos foram uma forma de desviar nossa atenção. Enquanto os jornais se detinham perguntando ao leitor quem tinha razão, o camelô ou prefeito, os hospitais iam matando cada vez mais. A maioria das vítimas, pobres, talvez negros, sem planos de saúde.

É a tal da história que chegou às minhas mãos na semana passada. Um papagaio (não é anedota) fugiu da casa de uma professora de inglês na Penha. Foi para o galho alto de uma árvore, levando sua dona ao desespero. Alguém chamou os bombeiros. Era de noitinha. Ufa, os bombeiros chegaram duas horas depois, mas chegaram. Porém, a escada não era suficientemente alta e a lanterna não era suficiente forte. Sugeriram chamar a Ligth, que tem escadas maiores. Era só um papagaio. Ele se cansaria e voltaria para casa. Passaram-se três dias, um apartamento na Zona Sul lambeu. Os bombeiros atrasaram e a escada não era suficientemente alta. Faz sentido.

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