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Saturday, April 09, 2005

Felizes por acaso, como um trapo de pano

(crônica de antero dos dias 8 e 9/ 04/2005)
Se nós tomássemos certas decisões, estaríamos mortos. Não de bala perdida, mas de fome. Sejamos sinceros: somos infelizes no trabalho. A exceção só existe porque se contenta com muito pouco. Falta coragem para largar tudo por uma bela tarde de sol (aos paulistas, falta coragem para largar São Paulo). Desde a revolução industrial, estamos presos a uma produção em série de nós mesmos. Vivemos em espaços cada vez menores. Hoje, enquanto teclo esta crônica, escuto no rjtv a notícia que uma bala perdida atingiu pai e filho ao mesmo tempo. Veja bem, a mesma bala perdida. É a tal da promoção dois em um, que empurra ao freguês na farmácia a vaselina encalhada.

Por pouco, nós aceitamos tudo. Trabalhamos 12 horas por dia, recebemos por oito, aceitamos um salário menor na carteira, o aumento dígito a dígito da gasolina, os dados oficiais do ibge, as notícias do jornal e da tv. E por quê? Digo, e me corriga se estiver errado, porque precisamos pagar as malditas contas (e nem sequer exigimos a nota fiscal). Já estamos acostumados a ter plano de saúde, enquanto o estado tira de nós todos os dias a a tal da cpmf. Ato contínuo, pouco sabemos o que acontece nas portas dos hospitais públicos, a não ser que os mesmos burocratas que não aplicam o imposto provisório em saúde, anunciem uma intervenção, a barraca armada no Campo de Santana, enquanto existem milhares de leitos subaproveitados por falta de dinheiro do SUS.

Também há a desilusão. A começar pelas mulheres, quando vêem a história da cinderela se inverter, o príncipe charles se unindo em cerimônia ofial à amante, depois de ignorar a beleza e a bondade da princesa do povo, optando pela meia-irmã feia, chata e de pé grande, que mal cabia no sapatinho feito de cristal. É o nome de Camila que brilha na caixa dos Correios do Palácio de Buck sei lá o quê, e isso será eterno, agora sabemos ao ver na tv Camilla em seu vestido de chifon. Os homens também estão decepcionados com política, com mulher e com futebol, três assuntos que nos unem desde que o flamengo juntou os trapos, saiu de casa e se tornou Édipo Rei. Resta-nos o trabalho. Ou virarmos evangélicos. Resta-nos o resto (sou católico, respeito os evangélicos, mas falo de falta de opções).

E àqueles, pais e avós, que se horrorizaram com os efeitos devastadores da bomba sobre hiroshima, hoje há violência até numa nota musical sobre nossos sentidos. É tudo mais sutil, menor, mais leve e mais barato. Está tudo à venda, mas nem sempre podemos pagar. É aqui que alguns concluem que sempre se pode roubar (os ladrões também sabem ser bastante cartesianos). Sendo mais profundo, como querem as fãs do chico, fica-se abismado quando se vai a uma biblioteca pública. Eu sou cadastrado numa delas. Um dia desses peguei um livro do Gabriel Garcia Marquez, maior escritor latino-americano vivo, e tomei um susto quando vi na cartela da contra-capa a data do último leitor que levou, gratuitamente, a estória para casa. Datava de mais de um ano e meio. Leitura? Nem de graça.

Tudo isso é para dizer que me vi um dia desses parando para pensar se somos felizes, enquanto vasculhava o diário oficial à procura de uma pauta que fizesse sentido, que ocupasse meu tempo, além de se tornar o alto da página 22 do jornal de terça. Havia um buraco no papel e era preciso preenchê-lo, a fim de se evitar o temível calhau. É nessas horas, nos momentos de necessidade, que fazemos concessões, que damos a notícia que descobriram um remédio que pode ser a cura do câncer, que fulaninho traiu fulaninha na boatinha, que o governo vai fazer, acontecer, chover, beber, nadar, mas no fundo, no fundo, sabemos que vai mesmo é afundar. E choramos porque esse já é tido como nosso verdadeiro trabalho, o dos policiais já é tido como matar antes de perguntar, o dos médicos cobrar antes de atender e o dos advogados defender e acusar simplesmente pelo fato de existir.

Hoje, é possível ser feliz por menos tempo. Intimamente, sabemos disso. E é por esse motivo que corremos cada vez mais, loucos por preencher essa pequena brecha que se abre em nossas vidas. Nossos casamentos são menos duradouros e nossas lembranças são mais descartáveis. Na falta de dados do ibge para sustentar minhas afirmações e, levando em conta a contrariedade que meus amigos têm quando desembucho a tirar conclusões, juízos de valor, é bom terminar de forma cautelosa....Eu acho.

(Ps:Sem falar que acompanho todos os dias os sites de notíciais no fim da tarde. Fico pensando como o paulistano, depois de um exaustivo trabalho, enfrenta bravamente os infindáveis congestionamentos na volta do trabalho. Na segunda, foram 90 km, na terça 112, na quarta, 122 e na sexta, 131)

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