literalis

Um site para eu poder falar o que eu quiser sem revisor e editor na minha cola.

Thursday, July 06, 2023

O BACANISMO ESTÁ EM ALTA

  


Sou português, não tão raiz é bem verdade, mas sempre gostei mesmo é do sotaque carioca e desse jeitão descompromissado no uso de gírias que a gente ouve na saliva do trem, na Pedra do Sal ou nas areias de sábado do Arpoador.  De Portugal, me agradam os cheirinhos a alecrim, os cachos de uvas doiradas e o São José de azulejo. Mas, quando o assunto é “língua”, a que me atrai mesmo é a falada nas ruas do Rio de Janeiro!!!

 

Afinal de contas, pra cada cena desta cidade, existe uma palavra, uma expressão, uma boca se arrastando, te puxando pras profundezas de um vocabulário retorcido e distorcido, carcomido, "cupenizado",  mais ou menos como se cada verbete do Aurélio fosse a lataria de uma Cherokee se oferecendo para ser arranhada, triscada e atingida, na altura do carburador, por flechas enfeitiçadas de São Sebastião.

 

Vou ficar em dois exemplos de gírias, para não tomar muito o tempo do leitor, tão ocupado com as redes sociais hoje em dia. A primeira, a mais descompromissada de todas,  o nosso feijão com arroz, é a conhecidíssima “valeu”. Sou também um adepto do “valeísmo” e suas tranças infinitas pelas gentilezas da cidade. Uso com orgulho e generosidade o “valeu” para amigos, inimigos, árvores e animais.

 

Outra gíria que cresce à sombra de nossos oitis é uma palavra que do belo vai muito além: “beleza”. Essa é uma expressão que, fora do seu contexto natural, demonstra consentimento, concordância e harmonia. A paz entre os homens sobre a terra. Estou exagerando? Talvez, mas eu gosto. Sou português (já disse?), mas amo tanto ouvir alguém responder “beleza” para mim que decidi incorporar definitivamente a expressão a todo final de pergunta que faço, beleza?

 

Aí tem São Paulo, né...

 

Não chega a ser propriamente uma gíria, nem sei muito bem de que buraco da língua saiu, mas tem uma palavrinha que venho escutando muito da boca dos paulistas. “Bacana”.  A expressão é mais ou menos o nosso “legal” do Rio, num sincretismo semântico que tem um paralelo no semáforo/sinal, bolacha/biscoito, tangerina/mexerica. Todo mundo tá respondendo “bacana” por lá, e confesso que o “bacanismo” é uma forma bem empática de levantar a autoestima do nosso interlocutor (brother, aqui no Rio!!).

 

Da minha parte, já adotei definitivamente a palavra “bacana” no meu vocabulário, de um modo bem abrangente, assim como estou pegando emprestado dos paulistas a expressão “imagina”. Repare ! Eles usam também bastante, e é um jeito de parecer mais educado ainda do que falar somente “bacana”. É um nível acima. Se você pede desculpas a alguém, o paulista diz: “imagina”. Então, o “imaginismo”... esse eu também incorporei de forma irremediável!

 

 A verdade (das mais sinceras) é que sou meio esponja em relação a essas coisas, muito devido à minha facilidade desde criança com línguas e variações linguísticas. Foi assim após uma viagem à Bahia na juventude, quando trouxe na bagagem a expressão “pronto”, que eles usam a torto e a direito, mesmo quando a moqueca de maturi não está pronta, o que causa um verdadeiro nó na cabeça de pessoas racionais como eu.  Mas o máximo da minha aventura pela linguagem aconteceu mesmo após uma viagem de lua de mel para Itália. Conto já...

 

Tanto achei divertido os italianos dizerem a palavra “prego” para tudo que passei a usá-la de modo contínuo e inadvertido no Brasil. No bar, no banco, no ônibus, para o guarda que me multava, pro meu chefe sisudo e até em tarefas domésticas com minha companheira. Só me dei conta que estava exagerando, que a coisa já ultrapassava os limites da afetação e da sanidade mental, quando o porteiro do meu prédio, de tanto eu falar prego para isso e prego para aquilo, me resgatou de volta a terras brasileiras. Foi assim o breve diálogo entre o morador do 302 e o Sr. Zé: 

 

-Quer que recolha o lixo da porta do seu apartamento agora?

-Prego.

-Que negócio é esse de prego, homem? Vixe....

 

Aquilo me atingiu quase como o raio de uma epifania. Imediatamente me desafeiçoei do “prego" e, como se tivesse sido seduzido completamente pelas asas coloridas de um passarinho em pleno voo,  fui levado a outra beleza lingüística, em cujas águas me banhei pelos quatro meses seguintes.

  

Foi só então que abandonei definitivamenteo o “preguismo” e teve início, de forma  avassaladora, o "vixismo" em minha vida!!!

 







 Crédito: Image by wirestock on Freepik 


  

Tuesday, November 07, 2017

Primeiro racunho da poesia

O desafio é:
-Como transformar essas ideias num poesia? Numa forma? Ainda falta trocar palavras, arejar, reorganizar...

Sobre procedimentos

A forma como ele montava nas coisas e 
no significados das coisas catando 
as mínimas partículas de contato com o pensamento
buscando as ideias menores e, portanto, mais rápidas. 

Por isso, era preciso ser veloz. Só por isso 
ele dizia
Não para comer as carnes tenras dos pássaros ou as úmidas dos peixes como fazem as pessoas 
práticas de bocas grandes.
Mas pelo simples prazer de percebê-las
E, percebendo-as, decorar sua mente,
essa parede caiada 
se pudéssemos vê-la daqui de fora, notaríamos nela quadros e mais quadros dependurados.

Ornamentos abandonados antes do seu destino final
pois o prazer maior que ele teve foi certamente
o de exercitar o ato de apanhá-las
Quando todos os demais sequer as percebiam
Por isso, ele falava da velocidade de olhar. 

Das menores coisas
Das ínfimas
Das que só se pode tangenciá-las
É delas que ele resgata seus mais imponderáveis significados
arrancados do peito de todas as coisas e fenômenos
em armadilhas infantis, em arapucas de madeira, delicadas como o próprio corpo do que as coisas são feitas.  
De uma velocidade também delicada
Do olho do verso da mente,  

Melhor do facebook de hj


Fica difícil entender o que acontece no Brasil

_Eu bão sei o que acontece no Brasil.

Thursday, January 10, 2008

Enfim, brasileiros...

Ele já não vinha demonstrando, havia algum tempo, aquele velho orgulho de ser brasileiro, em especial carioca, que estampava desde os tempos de Policarpo Quaresma. Nitidamente estava deprimido, apesar de continuar mantendo, mais por tradição do que por qualquer outro motivo, a barba longa, alva, o que lhe dava um aspecto hippie, relaxado, de quem vive despreocupadamente entre as montanhas e o mar.

Mas, no fundo, por trás de todas as aparências, vinha passando por uma transformação lenta e gradual, sim. Passou a evitar os passeios pelos calçadões da Zona Sul, o chopp no domingo no Bracarense ... Disso a evitar os túneis da cidade foi um passo. Começou a se esquivar de sair de casa, temendo a bala perdida. Deixou as contas se acumularem sobre o aparador do conjugado, receoso do mal uso do seu dinheiro pelas autoridades públicas. Não queria ser conivente.

Definitivamente, Deus estava envergonhado do que lia e ouvia nos últimos anos sobre o Brasil, seu país, sua morada eterna. Ou seria nas últimas décadas, últimos séculos? É ruim ser tão velho, ou, por outra, estar vivo há tanto tempo, ele pensava. Não era necessário ser psicólogo para perceber que o Divino estava definitivamente cansado de ser brasileiro. Foi por isso, e por mais nada, que procurou o consulado espanhol. Queria saber como adquirir a cidadania européia. Mudar de ares.

Por que a Espanha? Nada em especial. Foi, na verdade, sua segunda tentativa. Faz poucos dias, tinha tentado comprar uma passagem para os states, como parte de um plano mais amplo. Seria o primeiro passo para um tentador casamento de conveniência com uma yankke numa igreja fastfood, em busca do disputado greencard. Mas, daquela vez, Seu pedido tinha sido negado, a despeito de Sua infinita bondade. Soube, por fontes celestes, que o diabo tinha soprado no ouvido de alguém grande de lá, dizendo que Deus consumia muita energia, palavra que foi confundida , devido aos percalços da lingüística, com o seu significado strito senso de combustível. E, como todos sabem, nos Estados Unidos, os utilitários são prioridade.

Oficialmente, recebeu de um funcionário do consulado americando, que fizera a entrevista, a resposta afrontadora de que ter como ocupação atual "trabalho em prol da humanidade" era algo muito vago. O funcionário pediu perdão, mais como proforma do que por temor divino, é verdade, e despachou Deus, sem antes não submetê-lo à constragendora porta giratória com raio-x. O bip não tocou. Só faltava essa.

Como bom brasileiro, mesmo que tal adjetivação vá contra a vontade Dele mesmo por ora (nisso deu Ele dar-nos o livre arbítrio ), Deus não desisitiu. Enquanto esperava o atendimento, na antesala do consulado espanhol, dividindo o sofá e os olhares com três jogadores de futebol da segunda e da terceira divisões do Rio, o Supremo folheava algumas revistas, só para exercitar o espanhol, língua que Ele mesmo criou lá nos idos de Babel. Estava quase cochilando, quando ouviu seu nome:

-Deus?

-Sim, eu O sou.

-Entre, por favor. O senhor tem pai espanhol, mãe, avô? - pergunta a atendente, carioca da gema, mas com uma empáfia um tanto quanto européia.

Deus ainda pensou em lançar mão de um "sabe com quem vc está falando". Mas, desistiu. Poderia ser mal interpretado.

-Ora, Eu sou o Pai. Tenho um filho, serve? Mas ele morreu em circunstâncias ainda não muito bem explicadas. Ele era de Belém. É na Europa?

-Que eu saiba é no Pará. Por que o senhor quer a cidadania?

-Estou cansado de ser brasileiro. Não quero mais. Não me identifico mais com os homens daqui. Entendi o recado: Brasil, ame-o ou deixe-o. Tô fora. Cansei. Basta.

-Mas, o Senhor afirmou, aqui, na sua ficha, na lacuna atribuições, que "o homem foi feito à Sua semelhança". Não seriam seus filhos os homens daqui?

-Eu, não. Vc entendeu mal. Estava me referindo à humanidade como um todo. Tem liquipaper?

-Mas, quando o Brasil ganhou cinco copas, não teve um dedinho Seu. Foi o que disseram.

-Não, de jeito nenhum. Isso é o que comentam os argentinos. Só porque eu disse que o tango era uma dança do diabo. O quarto mundial, por exemplo, foi obra do Romário.

-Mas o Romário diz que ele é o Senhor.

-Não, de jeito nenhum.

Tão logo Ele concluiu a última das três negativas, recusando-se terminantemente a continuar sendo brasileiro, um galo cantou de um terreiro suburbano da cidade. Deus saiu da sala correndo e, chegando à rua, despencou num choro copioso.

Monday, March 26, 2007

Ovelha, mulher e trabalhadora

Ainda criança, depois de assistir pela primeira vez a "2001, uma odisséia no espaço", fui acometido por uma paúra inesperada e fugi do que seria o meu primeiro beijo na boca. Temi me apaixonar pela menina de 12 anos, casar, ter filhos e ver minha nova família, logo depois, aniquilada pela vilania dos PCs.

Hitchcock também teve uma parcela de culpa pela minha infância introspectiva. Durante muito tempo, preferi ficar trancafiado em casa a brincar na praça da esquina, temendo ser atacado por milhares de pombos, numa versão tupiniquim de "Pássaros", do cineasta britânico.

Hitchcock e Kubrick erraram feio. A aposta certa seria as ovelhas. É com elas que temos que nos preocupar.

Essa fobia anunciada começou quando, sorrateiramente, as ovelhas tomaram as vagas nos laboratórios de uns poucos ratinhos em experiências científicas. Tudo sem processo seletivo, fruto de um baita pistolão dos criadores do quadrúpede. Lobby forte. Afinal, por que a ovelha e não a cabra? Agora, o que acontecerá, depois que cientistas americanos anunciaram ao mundo a criação do primeiro mamífero da espécie com 15% de células humanas e 85% de células animais?

Vou perder meu emprego para uma ovelha!!!

Resisti ao avanço dos computadores, mas estou ficando velho e cansado, presa fácil para uma ovelhinha carreirista saída de uma universidade de Nevasca. Vou ter que aprender a ficar de quatro para competir? Temo por menos vagas nas universidades, super-população na China, acesso à internet cada vez mais congestionado.

É bom lembrar que já houve o precedente Dolly, a ovelhinha camarada, mas, felizmente para os imigrantes que tentam a qualquer custo atravessar a fronteira entre o México e os EUA, ela não era muito chegada ao trabalho, não ofereceu concorrência. Desde cedo, Dolly foi preparada para a fama. Desde a concepção. Seu pai, um cientista de meia-idade obcecado por séries da Sony, desejoso de ter filhos, embora fosse estéril e tivesse pouca intimidade com o sexo oposto, certa noite, fez um bom uso de tubos de ensaio e de ampulhetas e conseguiu a tão almejada paternidade.

Não houve sexo, mas a igreja jamais perdoou o papai Dolly. Um prosélito de Darwin, acusou, taxativa assim. Atacava-o nas homilias. Ele não entendia. Afinal, daria sua filha à humanidade, não para morrer numa cruz, como Cristo, mas para ser a primeira de uma geração que viria para nos aliviar da longa espera das filas de transplantes.

Os anos passavam, e Dolly crescia. Cultivava belos cachinhos de uma angelical criança. Quando pai e filho saiam de casa, para as visitas diárias ao laboratório, os vizinhos sempre mostravam um carinho efusivo, abraçavam o filhote, beliscavam sua bochecha.. solidarizavam-se com as assaduras.

O pai, de tão orgulhoso, sequer percebia a expressão facial enigmática da ovelhinha. Ela lembrava os suicidas esquadrinhando a altura no peitoral. Sua carinha era triste, mas papai cientista lhe prometia um futuro brilhante, falando-lhe ao ouvido, baixinho, pela língua do "mé". Dolly era um ovelha, não era um cabrito, mas os dois logo concordaram que o som era o mais apropriado para a comunicação doméstica.

Via-se na cara, na qual já nascia um bigode de bode que ela dizia ser grunge, que o mamífero desprezava a humanidade. Prostituir-se-ia. Mas, rebelava-se matando humanos nas máquinas de fliperama, aonde ia diariamente com sua babá. Por que não era humana?, perguntava-se ainda criança, enquanto brincava na montanha-russa da Terra do Nunca, abraçada a um excitado Michael Jackson.

No auge da popularidade, Dolly apertou a mão de chefes de estado, viajou o mundo todo. Emocionou-se especialmente quando visitou a Torre Eiffel. Na adolescência, fumou, mas não tragou. Foi o que disse para se livrar da cana. Quando precisou de emprego, pensou em seguir a política, mas desistiu, afinal continuava sendo sustentada pelo pai e pela ciência, enquanto durasse essa vida de cocota, estava bom.

Fez novas amizades no business, inclusive com Britney Spears, com quem foi a festinhas do pessoal do cinema da Califórnia.

Por fim, Dolly morreu jovem, ideal de uma juventude transviada. Somente meia dúzia de cientistas solitários foram ao enterro. Mas, a ovelhinha entrou para a história, por seus préstimos à ciência e à humanidade.

Dez anos se passaram desde Dolly e, até hoje, não houve um filme digno dessa fobia. Talvez porque correria o risco de virar piada e se transformar em roteiro satírico de Woody Allen. Por sinal, o cineasta foi o único que vislumbrou um pouco dessa convivência ovelha/homem em "Tudo que você queria saber sobre sexo...". Mas, aí, foi outra obsessão.

Sunday, March 25, 2007

"Ponderações sobre o trabalho"

Estou eu aqui, mais um fim-de-semana trabalhando.
Mas, estou tranqüilo.
Tenho uma visão cristã do trabalho. Ofereço a outra face.

Friday, March 23, 2007

Dois atómos sutis no revéillon - versão II (experiências estilísticas)

Não sei que referência cultural, que clichê lingüístico, que cacofonia ou expressão idiomática tiro da manga do paletó para descrever a beleza do revéillon de Copacabana, visto a 1250 metros de altura, do platô da Pedra Bonita. Se pintura, um quadro de Jackson Pollock no céu da Zona Sul. Se música, um louvor de esperança para os que carecem de espiritualidade.

Atente para o pôr-do-sol, crepúsculo tão óbvio, já tão fotografado, ultrapassando os limites da sua banalidade.

É preciso manter-se anônimo diante da fragilidade da língua e de sua total incapacidade para descrever fielmente as espécies e construções, desde a simples flor ao mais intimidador espigão, iluminados pelo sol. Poder-se-ia (mesóclise, por que não?) alegar que não há palavras para descrever. Nem mesmo os deuses as teriam, afirmativa esta próxima da heresia, pois a eles, os deuses, não faltam palavras. Conhecem-nas todas. Se não as usam é porque preferem o silêncio, o escuro, a bolha d'água no mar revolto.

O que dizer se tudo já foi dito?

Afinal, um nome comum, grafado na certidão de uma nova criança, transforma a todas em Cláudias iguais? Mas, quais!!! Prazeres diferentes.

Foi tudo muito bonito, somente, simplesmente. Pronto, fica aqui esse adjetivo, o dito pelo não dito, que, fértil e simples, dá na boca de todo mundo, assim como a maria-sem-vergonha dá em qualquer mato, descampado ou jardim de primavera. Fica aqui o espanto de ver que o Rio é bonito demais do alto.

Percepções todas muito óbvias, mas é assim, óbvia, a mata atlântica, verde simplesmente; o céu azul, azul somente. Lá embaixo, as casas encravadas no meio da floresta nos dão a sensação de que podemos reduzir a velocidade de nossos ponteiros. E, a Rocinha, de longe, desperta em nós o que, hoje, é tão difícil de se manter acesa - a misericórdia.

De longe, tudo é belo, todos são iguais, o trabalho é um fardo leve, e amanhã é um belo dia de sol no firmamento.

O ano finalmente vira. As pessoas se abraçam, suas bocas sabendo ainda a cereja...recomenda-se não esquecer a primeira taça de espumante do ano...a comida é saborosa...a cidra foi barata... a noite não é fria, traz apenas um vento veloz que passa como o trem, lotado, repleto de de eletricidade vital, mais uma das mecânicas do universo. E, não vou aqui fazer ponderações metafísicas, porque o abraço da boa companhia me faz perceber que estou vivo e isso importa mais do que ter dinheiro na conta bancária para pagar pelo ingresso para o céu.

2007 não é apenas um ano, mas será o melhor ano de nossas vidas, e 2008, alguns dígitos melhor e, de dígito em dígito, iremos ultrapassando nossos limites, até que, ao contrário do que vociferam alguns, chegaremos não ao apocalipse, mas a um novo gênesis de nossa existência.

Pois somos puros e verdadeiros, somente, simplesmente... dois átomos sutis.

Monday, March 19, 2007

Dois atómos sutis no revéillon

Não sei que referência cultural, que clichê lingüístico, que cacofonia ou expressão idiomática tiro da manga do paletó para descrever a beleza do revéillon de Copacabana, visto a 1250 metros de altura, do platô da Pedra Bonita. Se pintura, um quadro de Jackson Pollock no céu da Zona Sul. Se música, um louvor de esperança para os que carecem de espiritualidade.

Atente para o pôr-do-sol, crepúsculo tão óbvio, já tão fotografado, ultrapassando os limites da sua banalidade. Afinal, o que dizer se tudo já foi dito?

Sei - é preciso manter-se anônimo diante da fragilidade da língua e de sua total incapacidade para descrever fielmente (e elegantemente, porque aprendemos a ter bom-gosto ) as espécies, desde a simples flor ao mais ultrajante hipopótamo iluminados pelo sol. Poder-se-ia (mesóclise, por que não?) alegar que não há palavras para descrever. Nem mesmo os deuses as teriam, afirmativa esta próxima da heresia, pois a eles, os deuses, não faltam palavras. Conhecem-nas todas. Se não as usam é porque preferem o silêncio, o escuro, a bolha d'água no mar revolto.

É preciso encher a boca de saliva para cuspir a palavra mais longa que se conhece, amaldiçoando-a com o último traço...E, da mais singela, colher a beleza e entregá-la a ti, como fiel depositária.
Afinal, um nome comum, grafado na certidão de uma nova criança, transforma a todas em Cláudias iguais? Mas, quais!!! Prazeres diferentes.

Foi tudo muito bonito, somente, simplesmente. Pronto, fica aqui esse adjetivo, o dito pelo não dito, que, fértil e simples, dá na boca de todo mundo, assim como a maria-sem-vergonha dá em qualquer mato, descampado ou jardim de primavera. Fica aqui o espanto de ver que o Rio é bonito demais do alto. Do que eu concluo que as praias e todas as belezas naturais da cidade não foram feitas propositadamente para serem vistas das varandas dos condomínios caros da Avenida Vieira Souto, mas foram talhadas para serem admiradas pelo próprio Artesão que as projetou, lá da sua morada no céu.

Frases todas muito óbvias, mas é assim, óbvia, a mata atlântica, verde simplesmente; o céu azul, azul somente. Lá embaixo, as casas encravadas no meio da floresta nos dão a sensação de que podemos reduzir a velocidade de nossos ponteiros. E, a Rocinha, de longe, desperta em nós o que, hoje, é tão difícil de se manter acesa - a misericórdia, a caridade. De longe, tudo é belo, todos são iguais, o trabalho é um fardo leve, e amanhã é um belo dia de sol no firmamento.

O ano finalmente vira. As pessoas se abraçam, suas bocas sabendo ainda a cereja...recomenda-se não esquecer de fazer um pequeno gargarejo com o espumante...a comida é saborosa...a cidra foi barata... a noite não é fria, traz apenas um vento veloz que passa como o trem, lotado, repleto de de eletricidade vital, mais uma das mecânicas do universo. E, não vou aqui fazer ponderações metafísicas, porque o abraço da boa companhia me faz perceber que estou vivo e isso importa mais do que ter dinheiro na conta bancária para pagar pelo ingresso para o céu.

2007 não é apenas um ano, mas será o melhor ano de nossas vidas, e 2008, alguns dígitos melhor e, de dígito em dígito, iremos ultrapassando nossos limites, até que, ao contrário do que vociferam alguns, chegaremos não ao apocalipse, mas a um novo gênesis de nossa existência. Pois somos puros e verdadeiros, somente, simplesmente... dois átomos sutis.