literalis

Um site para eu poder falar o que eu quiser sem revisor e editor na minha cola.

Monday, April 18, 2005

Entre cínico e ingênuo ,fui à Lapa no sábado

(crônica de antero, dias 21/22 de 03/2005)

Vamos situar as coisas: meu nome é antero, sou jornalista do extra, amigo da júlia, a irmã do Tomás, e namorado da cláudia, amiga da Julia. Fez-se uma pequena teia de conhecimentos e lá fui eu, sábado, para o Lapazes, Rua da Lapa, segundo andar, show de música. Tomáz seria o vocalista. Fui esperando enfrentar o trânsito no entorno dos arcos e estacionamento a R$ 8 . O que mais esperar? Chuva, muita chuva.

(Ó, puta medo de arrastar a barra da calça na lama, um jeans de marca que comprei no shopping vertical da Zona Sul (queda vertigionosa da pobreza à riqueza), para ficar apresentável pro meu chefe. Ou chefa, o que nos dias de hoje, vem sendo mais comum).

Pausa para achar: acho que as mulheres estão perdendo aquela função materna de olhar pra gente e ver nossa alma de menores abandonados, perdendo aquela função de pedir clemência por nós, jogados aos pés do imperador. Hoje, elas também mandam matar os perdedores, o polegar para baixo, impiedoso. Voz de soprano, elas nos dizem: a porta da rua é serventia da casa, era ele ou eu, produz fica, não produz, RH. Que ópera maravilhosa...

Bom, foi inevitável ver a barra da calça chapinhando nas poças de água da calçada da Rua da Lapa, no caminho entre o estacionamento (flanelinha, no popular) e a tal garage Lapazes. Fui ver o irmão da amiga da minha namorada tocar. Tomáz, lembra? É assim que vamos nos referir a ele: o irmão da... O que equivale a dar-lhe um número. Digamos que ele é o 121. Depois, se tiver um número melhor, a gente troca por um de quatro casas (especulação, e a especulação imobiliária no Rio?).

Vou subindo pro segundo andar, ansioso pelo que me espera do palco e, cínico, vou me sentindo bem por ter saído ainda jovem sem ressentimentos deste mundo subterrâneo, ao qual me dirijo novamente agora só de visita, não vou me demorar, simpático mas no fundo me sentindo obrigado, visitando a sogra que já preconizou à filha "não diga que eu não te avisei". Sai sem ter dado errado, sem ter virado transviado, sem ter batido de carro, escapando do futuro inevitável que os jovens carregam, quando não ouvem suas mães falarem que bebida e direção não combinam, ou então o estado, em campanhas de conscientização. (Falo daquelas mães que se mantém cozinhando, lavando e passando, e ainda são mães, não ficam gritando ordem e progresso na corporação, como se lessem a expressão diretamente da bandeira nacional).


Eu venci no mercado de trabalho, o meu entre milhares de currículos, a minha foi a carteira assinada, a minha, enquanto muitos amigos ficaram lá, ouvindo o som e se chapando, dividindo a casa com desconhecidos, um aqui e outro acolá, esperando a noite, a madrugada, esperando o momento de encostar um pouco na amurada da varanda, um bafo quente, oprimido na cortina de ferro do Centro da Cidade.

A vida tem mudado radicalmente, ganhei emprego, fiz 33 anos, e garage para mim virou sinônimo apenas de um lugar onde possa ouvir o gostoso ronco de um carro próprio. Mais uma queda vertiginosa me espera? Afinal, quando a gente acha que está andando rápido, indo em direção ao horizonte privilegiado, vislumbrando o trono de rocha na selva corporativa, a gente se dá conta que está a passos de cágado. Deixando de lado o que não serve para a S.A. Por exemplo, música fora dos padrões.

Ora cínico, ora ingênuo, vou descrevendo para vc meu sábado à noite. Não está aberto a discussão. Apenas pra vc saber. Em suma, quero dizer que sai com troco da minha viagem pela madrugada da Lapa. Gostei muito do som da banda El Efecto e principalmente desse eixo que eles adotaram nas músicas, da responsabilidade social. Ouço o Tomás cantando Nós precisamos de comida/ Eles precisam da fome. Som pesado, para variar, para sair da mesmice no discurso Eu te amo/ Mas vc não me quis, Tô mal por vc não me amar/ Me ame hoje e sempre e todas as formas de amor propagadas pelo pagode, axé, sertaneja, pop, que faz a gente enjoar de tanta falta de sinceridade. Pelo menos nisso o rock pesado se mantém íntegro. Tomáz canta, agora, O amor é meu/Meu e não depende de ninguém/É claro que você me faz bem/ Mas o amor é meu/Ter você como companheira seria muito bom/ Certamente eu iria estar bem mais leve. O amor visto de uma forma honesta.

Ingênuo, deixo aí o meu refrão para terminar:
Foi bom sentir novamente a velocidade do som atravessar a minha garaganta, acompanhado de acordes de guitarras pesadas/ Chega de xarope, amigo, minha garganta quer arranhar, tossir/ A fumaça empoleirada que emana do teu cano de descarga/ Nada de colírio, meu olho quer arder quando lê na Forbes a lista dos mais ricos vivendo entre os mais pobres a se servir/ Sei nada de música, mas trago essa enorme estaca para cercar meu minifúndio/ Fora daqui, fique com seu mundinho, vá enriquecer.
Feche a janela do seu carro dolarizado/ Aproveite a corrente de ar condicionado/ Fuja do bafo quente, respiração agonizante, dos meninos nos sinais/ Cerque sua propriedade desses animais, o perigo dos instintos/ Compre um carro importado e anuncie/ violência é para os mortais/ violência é para os mortais/ violência é para os mortais

Saturday, April 09, 2005

Felizes por acaso, como um trapo de pano

(crônica de antero dos dias 8 e 9/ 04/2005)
Se nós tomássemos certas decisões, estaríamos mortos. Não de bala perdida, mas de fome. Sejamos sinceros: somos infelizes no trabalho. A exceção só existe porque se contenta com muito pouco. Falta coragem para largar tudo por uma bela tarde de sol (aos paulistas, falta coragem para largar São Paulo). Desde a revolução industrial, estamos presos a uma produção em série de nós mesmos. Vivemos em espaços cada vez menores. Hoje, enquanto teclo esta crônica, escuto no rjtv a notícia que uma bala perdida atingiu pai e filho ao mesmo tempo. Veja bem, a mesma bala perdida. É a tal da promoção dois em um, que empurra ao freguês na farmácia a vaselina encalhada.

Por pouco, nós aceitamos tudo. Trabalhamos 12 horas por dia, recebemos por oito, aceitamos um salário menor na carteira, o aumento dígito a dígito da gasolina, os dados oficiais do ibge, as notícias do jornal e da tv. E por quê? Digo, e me corriga se estiver errado, porque precisamos pagar as malditas contas (e nem sequer exigimos a nota fiscal). Já estamos acostumados a ter plano de saúde, enquanto o estado tira de nós todos os dias a a tal da cpmf. Ato contínuo, pouco sabemos o que acontece nas portas dos hospitais públicos, a não ser que os mesmos burocratas que não aplicam o imposto provisório em saúde, anunciem uma intervenção, a barraca armada no Campo de Santana, enquanto existem milhares de leitos subaproveitados por falta de dinheiro do SUS.

Também há a desilusão. A começar pelas mulheres, quando vêem a história da cinderela se inverter, o príncipe charles se unindo em cerimônia ofial à amante, depois de ignorar a beleza e a bondade da princesa do povo, optando pela meia-irmã feia, chata e de pé grande, que mal cabia no sapatinho feito de cristal. É o nome de Camila que brilha na caixa dos Correios do Palácio de Buck sei lá o quê, e isso será eterno, agora sabemos ao ver na tv Camilla em seu vestido de chifon. Os homens também estão decepcionados com política, com mulher e com futebol, três assuntos que nos unem desde que o flamengo juntou os trapos, saiu de casa e se tornou Édipo Rei. Resta-nos o trabalho. Ou virarmos evangélicos. Resta-nos o resto (sou católico, respeito os evangélicos, mas falo de falta de opções).

E àqueles, pais e avós, que se horrorizaram com os efeitos devastadores da bomba sobre hiroshima, hoje há violência até numa nota musical sobre nossos sentidos. É tudo mais sutil, menor, mais leve e mais barato. Está tudo à venda, mas nem sempre podemos pagar. É aqui que alguns concluem que sempre se pode roubar (os ladrões também sabem ser bastante cartesianos). Sendo mais profundo, como querem as fãs do chico, fica-se abismado quando se vai a uma biblioteca pública. Eu sou cadastrado numa delas. Um dia desses peguei um livro do Gabriel Garcia Marquez, maior escritor latino-americano vivo, e tomei um susto quando vi na cartela da contra-capa a data do último leitor que levou, gratuitamente, a estória para casa. Datava de mais de um ano e meio. Leitura? Nem de graça.

Tudo isso é para dizer que me vi um dia desses parando para pensar se somos felizes, enquanto vasculhava o diário oficial à procura de uma pauta que fizesse sentido, que ocupasse meu tempo, além de se tornar o alto da página 22 do jornal de terça. Havia um buraco no papel e era preciso preenchê-lo, a fim de se evitar o temível calhau. É nessas horas, nos momentos de necessidade, que fazemos concessões, que damos a notícia que descobriram um remédio que pode ser a cura do câncer, que fulaninho traiu fulaninha na boatinha, que o governo vai fazer, acontecer, chover, beber, nadar, mas no fundo, no fundo, sabemos que vai mesmo é afundar. E choramos porque esse já é tido como nosso verdadeiro trabalho, o dos policiais já é tido como matar antes de perguntar, o dos médicos cobrar antes de atender e o dos advogados defender e acusar simplesmente pelo fato de existir.

Hoje, é possível ser feliz por menos tempo. Intimamente, sabemos disso. E é por esse motivo que corremos cada vez mais, loucos por preencher essa pequena brecha que se abre em nossas vidas. Nossos casamentos são menos duradouros e nossas lembranças são mais descartáveis. Na falta de dados do ibge para sustentar minhas afirmações e, levando em conta a contrariedade que meus amigos têm quando desembucho a tirar conclusões, juízos de valor, é bom terminar de forma cautelosa....Eu acho.

(Ps:Sem falar que acompanho todos os dias os sites de notíciais no fim da tarde. Fico pensando como o paulistano, depois de um exaustivo trabalho, enfrenta bravamente os infindáveis congestionamentos na volta do trabalho. Na segunda, foram 90 km, na terça 112, na quarta, 122 e na sexta, 131)

Friday, April 08, 2005

Um Tiro na Estrada Oceânica

(crônica de antero de 17/18 de abril)

O mundo se apagou no horror do sonho mau. O impacto durou poucos segundos, mas foi de uma força nuclear. Atordoado, ele olhou para o lado e percebeu que a cabeça dela pendia sobre o volante. O corpo já tinha a tração de uma marionete. Seus cabelos lindos ainda tinham movimento, descendo pelo pescoço e escorregando casualmente sobre os seios, uma cortina de renda nobre sobre o terror. Ele lhe deu um beijo no braço e sentiu a dor na dor. Percebeu que o braço dela já era um ramo seco marcando com sua sombra a sombra da noite, um relógio mostrando a passagem da vida, ao mesmo tempo absorvido pela precisão do tempo.

Olhou pelo vidro dianteiro trincado e viu uma infinidade de paisagens sobrepostas no escuro da estrada: a curva sobre a curva, a estrada sobre a estrada, o mar sobre o mar. Viu imagens do presente se sobreporem às do passado. No carro, um sangue encorpado escorria pela face direita da mulher. Ele quis cegar-se, abortar aquele pequeno assassino do útero da mãe, antes mesmo que o passado se fizesse presente. Também assustado, o menino já se escondera na moita, em algum lugar, agora não mais como o predador, mas como o urubu que espera o cheiro se propagar. Que aguarda a batida em retirada do parente condoído, abandonando o corpo sem calor à própria sorte, que sorte alguma jamais teria novamente, tampouco azar, já que só à vida isso tem sentido.

O assasino só queria devorar os restos de sua vergonha diante de Deus. No carona, ele, no entanto, queria agir, mas ficou estático observando o sopro da morte afastar a mulher de sua vida para o alto mar, num oceano de submersos e esquecidos. Sentado, ele apenas esperava aquela noite terrível passar.

(Em poucos segundos, já sentia a ausência da mulher. Se ainda o tempo e o espaço fossem imunes à linha da vida, se a lua não pesasse sobre as marés, se minha boca por ti respirasse, se a luz no mar infinitamente te banhasse...)

Tudo era igual às últimas notas do canto de um pequeno pássaro. Aquela paz que vem da terra, aquela paz maldita que a tudo enterra. Uma partitura delicada que poderia se esfarelar com um simples vento de outono. E isso seria menos violento do que um tiro na estrada, à beira do mar. Ele já era um órfão: necessitava dos cuidados quase maternos para ajeitar a roupa, amarrotada pelo susto. Ela permanecia bela, mesmo ensangüentada.

Esperou, então, a chegada da luz da manhã com seu metal afiado que agora só teria uma vida para ceifar. O dia finalmente chegou e trouxe as moscas da manhã. Trouxe os policiais e a morte definitiva.