Não engane o Fantástico
Há algum tipo de ingrendiente na cerveja que, após o vigésimo copo, te leva inevitavelmente ao submundo da desilusão. Sua roupa passa a ser mais suja, vc menos digno da sua vida, sua mulher mais gorda, a grama do vizinho mais verde do que a sua. Não tenho dúvidas disso. Uma variável dessa tese alcóolica é a impressão sobre o país que vc mora. Faça a experiência (se tiver mais de 18 anos): sente na mesa do boteco, sozinho ou com um amigo, tome umas e outras e, então, expresse com a mão espalmada sobre o peito o que vc sente pelo Brasil. "É um país de ladrões", vc diz antes mesmo de ver a conta do bar.
Esse efeito neurológico não acomete a todos, mas, confesso, sou daqueles que são inevitavelmente afetados pela cor amarelada do chopp. Sou um pessimista. Se minha mulher se resigna, é porque há casos piores, pessoas com as quais vc evitaria cruzar no passeio para não ter que rever a sua impressão sobre o belo domingo de sol, os bailes de debutantes e a pureza das camélias. São aqueles que, para se desiludirem, basta o corante do suco de laranja, não há substância ativa que lhes dê a felicidade.
O fato é que, ao casar, ganhei de sobra um sogro tão pessimista quanto eu. A empatia foi inevitável: assistimos aos jogos do futebol grego juntos, o que irrita terminantemente minha esposa, torcemos unidos contra a seleção argentina, xingamos o vizinho em côro e temos uma percepção muito parecida do Brasil e da cerveja. Estamos em plena sintonia. Um dia desses até eu me surpreendi com sua sabedoria, enquanto ele se esforçava em equilibrar o copo/refil na mão trêmula. A menos que ele tivesse lido isso em algum lugar, o que se trataria de um plágio imundo, ele teve uma grande iluminação: "Neste país, vc pode matar os pais, o que não pode é enganar o Fantástico".
Já que estamos falando de bebida, ele se referia à outra loura perigosa que afogou a classe média numa profunda desilusão, ao matar os pais em 2002 e, assassina confessa, ser solta no ano passado por um hábeas-corpus do Superior Tribunal de Justiça. Jovem e bela, Suzane von Ricthofen não ficou conhecida nacionalmente por sua beleza nem por sua juventude. É a menina que poderia, mas não saiu de um cursinho de teatro do Tablado diretamente para a Malhação. Saiu de uma família de classe média do Brooklin dando créditos ao nosso imaginário de violência, ampliando nosso espectro de medo da periferia para o quarto do filho ao lado.
Mórbida, obscura sob seus cabelos curtos, ela ressurgiu vestindo a sua melhor camisa da Minnie e suas melhores pantufas de sapinho, apareceu numa noite de domingo no Fantástico, fingiu chorar, fingiu ser boa, tentou enganar-nos como faz um político sujo, mas foi desmascarada por uma repórter sagaz, tão jovem e bela quanto ela, que sabe bem os enganos e subterfúgios da beleza e da juventude. Não engane o Fantástico. Está aí o exemplo do bicho papão do Brooklin: Suzane voltou para a cadeia, restabeleceu-se a ordem e o progresso virá com o tempo.
Agora, vc que é inteligente, onde tudo começou? Quem, baseado na lei, libertou a atriz, concedeu-lhe um habeas-corpus, deu-lhe nova oportunidade nos palcos, vendeu-nos os ingressos? Se não gostamos do espetáculo, que culpa temos nós?

