literalis

Um site para eu poder falar o que eu quiser sem revisor e editor na minha cola.

Saturday, December 17, 2005

Coisas óbvias que a gente não vê

O ano está terminando e estou tentando não subornar ninguém. Está difícil. Não chega a ser motivo para uma CPI, mas simpatia e graça não faltam a alguns advogados, policiais, vigias e funcionários públicos na hora de oferecer uma maçã envenenada. A preço de liquidação natalina, oferece-se facilidades ou elimina-se dificuldades. Até entendo o PT. É difícil e caro convencer as pessoas, se bem que às vezes um vale-transporte resolve, o que me faz pensar se o problema da corrupção no Brasil não é na verdade uma extensão da precariedade dos transportes públicos. Piração total.

Não que eu seja uma Branca de Neve de mãos alvas. Não sou de todo vítima. Confesso que, na falta de R$ 120, estive muito tentado a um rompante juvenil e aceitar a proposta de um diagramador amigo (boliviano), tudo para ver o show do Pearl Jam. O plano era simples: falsificar uma inofensiva carteira de estudante e pagar meia. Mas, o medo de ser descoberto falou mais alto. Sobretudo tenho uma fobia absoluta de ser taxado de hipócrita. As palavras "irregularidade", "fraude" e "desvio" são figurinhas carimbadas nos meus textos jornalísticos. Aponto o dedo constantemente.

É impressionate como os dois parágrafos acima transitaram velozmente por minha cabeça, por uma fração de segundo, enquanto eu era interpelado pelo vigia da rua, antes mesmo de limpar os pés na soleira da minha portaria. Naquele momento, pedi a Papai Noel que trocasse todas as biciletas, carrinhos de corrimão, bolas dente de leite e chuteiras kichute que ele me deve desde os meus dois anos, quando aprendi a falar papa nono, pela garantia de que meu amigo com a pochete atravessada sobre o peito não fosse me pedir mais dinheiro. Já era penoso chegar em casa todas as noites e me sentir eternamente inadimplente no SPC porque tinha me recusado a dar dinheiro a ele para cuidar do meu carro estacionado na calçada...pública, vejam vocês.

Essa postura rebelde já me custou caro. Há um mês, numa quinta-feira chuvosa, ele fez a primeira abordagem. Novamente antes de eu limpar os pés na soleira, me interpelou, se apresentando ao novo morador (eu), dizendo que era pago pelas casas da rua, mas recebia dinheiro também do comércio e... dos donos dos carros na calçada. Hã? Me fiz de débil mental. No dia seguinte, estava sem estepe.

Agora, apesar das minhas orações, mais uma vez Papai Noel dá razão àqueles que criticam a sua ineficiência senil. Não chego a sugerir trocá-lo por duas jovens saradas de biquini, mas ele fica me devendo mais esta. Empunhando um livro de ouro, nosso protetor dos logradouros pede aquela ajudinha de fim de ano, "todo mundo colabora, senhor", mas "você é morador novo, talvez não saiba" (faltou eu dizer ao leitor que moro na rua há dois meses).

Não quero colaborar. Quero que ele seja vigilante, pô. Mas, os empresários e até pessoas públicas da rua que o contrataram querem mantê-lo sem carteira assinada, vigia mesmo está bom, estimulando uma informalidade que eles mesmos crtiticam e combatem, quando seus produtos e suas leis são afrontadas pelos camelôs. O homem é ele e suas circunstâncias.

Quero que nosso protetor ganhe décimo terceiro e não uma ajudinha no livro de ouro (ok, tem um pouco de economia doméstica minha nisso). Pagar-lhe a previdência significaria um décimo de um jantar de seus patrões, tão informais quanto o próprio vigia. Mas, entendo que vou ter que dar uns trocadinhos, se quiser ter paz. Minha paranóia me diz isso.

Enfim, há conclusões para todos os lados e vou até evitar falar dos percalços ao longo do ano com advogados. Não por medo de processo, mas para evitar justamente que advogados e vigias se unam contra mim.

O ano está acabando, a crônica também e, como desfecho dois dois, vou fingindo que estou dentro, seja lá para o que for, simplesmente para ir levando, ser um cidadão adaptado ao meio, enquanto meus detratores se esbaldam em chopadas e comemorações de fim de ano debaixo da janela do meu apartamento, não me deixando dormir. E, sabe como é: Papai Noel adora aglomerações, crianças histéricas, multidão alegre, posso percebê-lo agora, vendo da janela da redação um helicóptero descendo na Praça da Apoteose e, dele, saindo um velhinho gordinho e simpático, vestido, imagine o leitor, com uma roupa vermelha, vermelha. Cosias óbvias que agente não vê.

Tuesday, December 06, 2005

Alhos e bugalhos

Leio jornais todos os dias por obrigação. Gostaria na verdade de ler gibis. Mas, é preciso estar informado do ambiente de trabalho à mesa do bar. Não ser pego de surpresa em minha ignorância. Saber o valor da Ufir, o nome do secretário especial para assuntos especiais, o gabarito completo do supletivo que o leitor pede insistentemente pelo telefone às 21h e anota letra por letra, soletrando a sua burrice e a minha impaciência, enquanto me desespero com a possibilidade de ser eu o responsável pelo atraso do fechamento do jornal.

De fato, acho as notícias jornalísticas todos os dias preocupantes. Estamos com medo. Falo por mim. Hoje, sexta-feira, dia 2 de dezembro, há incêndio de ônibus com cinco mortes na página 3, mas se vc for supersticioso com esse número, pule para a página 19 ( sim, vc está mais perto da editoria de esportes) e leia a desventura de um carioca, negro, que morreu na fila do Hospital Rocha Faria por falta de atendimento. Uma morte, menos mal.

Concluo que vivemos um dilema urbano: ou morremos atacados por traficantes dentro do ônibus na volta do trabalho ou na fila do hospital público, sem médicos, sem equipamentos. Não sei o que eu escolho. Não eu, tenho plano de saúde. Talvez um amigo, um parente, talvez o leitor que insiste em conferir o gabarito todo de novo. Se me chamasse Sofia, eu o escolheria.

Sabemos que não são casos isolados. O prefeito e a governadora também. A verdade é que todos sabemos que a Saúde e a Segurança Pública são dois problemas extremos do estado há muuuuuito tempo. Deveriam ser tratados como prioridade. Mas, não são. Se não por que um policial ganha tão pouco? É fácil prendê-lo tão logo se envolva em ato de corrupção. É dever também. Mas também é dever do estado pagar o auxílio-reclusão a suas famílias, cumprindo-se um dispositivo que está na lei. Aos brutos, que seja só pela lei.

Mas, o governo do estado não paga. Prefere ter o poder de escolher famílias para doar cheque-cidadão, atacando assim uma miséria que ajuda a fortalecer. Por que dá almoço a R$ 1 para os pobres, mas paga salários pífios a faxineiros que trabalham nos órgãos públicos, e o que é pior: com atraso de quatro, cinco meses? Por que não paga sentenças judiciais a doentes, mas inaugura uma farmácia popular a cada esquina, algumas, para não dizer a maioria, sem medicamentos à disposição? O estado não cumpre os dissídios de seus funcionários, mas quer obrigar os empregadores a pagar salários mínimos de R$ 369!

O que adianta combater a violência a tiros, mas alimentá-la com populismo?

A cadeia se fecha com o atendimento no hospital. Aí entra a prefeitura (o estado tb, mas vou dar um refresco), preocupadíssima com os camelôs, com a segurança pública que não lhe diz respeito, com a ordem urbana, com o caos das ruas, com o cocô do cachorro da dondoca de Ipanema. Começo a achar que tal paranóia em manter as calçadas livres e todos os factóides dos últimos anos foram uma forma de desviar nossa atenção. Enquanto os jornais se detinham perguntando ao leitor quem tinha razão, o camelô ou prefeito, os hospitais iam matando cada vez mais. A maioria das vítimas, pobres, talvez negros, sem planos de saúde.

É a tal da história que chegou às minhas mãos na semana passada. Um papagaio (não é anedota) fugiu da casa de uma professora de inglês na Penha. Foi para o galho alto de uma árvore, levando sua dona ao desespero. Alguém chamou os bombeiros. Era de noitinha. Ufa, os bombeiros chegaram duas horas depois, mas chegaram. Porém, a escada não era suficientemente alta e a lanterna não era suficiente forte. Sugeriram chamar a Ligth, que tem escadas maiores. Era só um papagaio. Ele se cansaria e voltaria para casa. Passaram-se três dias, um apartamento na Zona Sul lambeu. Os bombeiros atrasaram e a escada não era suficientemente alta. Faz sentido.