literalis

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Wednesday, July 19, 2006

Só por um momento

Tenho uma queda por palavras fáceis.
Algo que se possa dizer e compreender no mesmo momento.
Que não exiga memória tampouco dicionário.
Calendário tampouco pensamentos.

Não gosto de palavras que se escondem do seu significado.
Que trazem sombras pesadas e te deixam perplexo no divã.
Gosto de usar expressões ascendentes
E olhar pela fechadura do teu quarto.

Meu pensamento, esse sim não é fácil.
É um contrapeso dos meus passos.

Mula infértil, formiga voraz

Da família dos ingênuos úteis, a mula deve ser um bicho infeliz. Ela, que é o início e o fim da sua árvore genealógica de mulas, encerra em si toda a infelicidade de jamais poder ninar mulinhas e, no povir da puberdade, desgarrá-las sobre o extenso pasto do latifúndio brasileiro. Porque a mula é, para ressentimento milenar de toda uma espécie, infértil.

Elas são inférteis, mas jamais tentaram escondê-lo ou mostraram grande preocupação a respeito. Estes são tempos estranhos, mas não ao ponto de mulas darem depoimentos sofridos ao final do capítulo da novela das 8h, reclamando de sua condição animal. Também desafio alguém que tenha visto esse quadrúpede deitado num divã de psicanalista, depois de ter jantado as franjas do tapete verde da recepção, choramingando pela fertilidade que nunca teve.

No Brasil, onde a existência do malandro só se explica pela bobeira sistemática do otário (ou do ingênuo), eis a mula para mostrar à classe média e ao povo que as terras brasileiras são produtivas e que os movimentos sociais como o MST são uma ofensa ao Estado de Direito. Qualquer mula infértil e solitária pastando num latifúndio torna-o produtivo.

Caberá ao malandro tentar nos esclarecer, apoiado na cerca da fazenda, que a visão na verdade se trata de uma égua pastando, o início de uma prole, faltando apenas juntar dinheiro para se adquirir um belo varão, um macho cavalão reprodutor. E, caberá ao otário aceitar o engodo, independentemnete do tamanho e do lombo do animal.

Enquanto essa discussão se arrasta por mais de 500 anos, dando um refresco em épocas de carnaval e copa do mundo, pobres, negros e trabalhadores reprimem suas necessidades nos subúrbios, aguardando na miséria que a lei lhes seja favorável e o próximo governo, honesto. É o povo reprimido dentro da roupa doada ao filho da faxineira. Do que se conclui que a Constituição não serve para garantir ao povo o pleno direito à liberdade, num país onde alcançá-la, como a tudo, requer um preço. Como racionalizar a fome e a ânsia de comer diante da ostentação e o desprezo pela comida?

A lei do mercado, essa sim vem se sobrepondo ao direito à liberdade e à vida. Tanto em qualquer lugar quanto em minha própria cozinha, que, sujeita à lei da oferta e da demanda, anda cheia de formigas. Elas saem aleatoriamente dos buracos das paredes atraídos pelo brilho dos grãos de açúcar, espalhados aqui ou ali, no assoalho ou no mármore da pia, restos que se perderam no caminho entre o açucareiro e a xícara de café. Vorazes, elas procuram, mas não pagam, seus alimentos onde podem, seguem os instintos de sobrevivência, esta a lei maior em suas medíocres vidas.