Plagiando Paul Less (Antero)
Cair da noite, segunda-feira, fico inerte na praia, todos os sentidos concentrados na visão. Sem movimentos, quase tetraplégico, ver é o que me sobra por opção. O espaço ao redor é tomado unica e exclusivamente por um pensamento forte e contínuo. Preciso de uma outra vida, plagiar-me (essa vontade só se tornou consciente muito tempo depois). Paralisado, os atenuantes e agravantes estão adormecidos em mim. Para além da arrebentação, nenhum navio a alinhar em sua trajetória minhas palavras. Nenhum paralelo a propor sentidos ou direções.
Estou incomunicável.
Proponho-me a só abrir concessões às crianças e aos velhos, as duas pontas de mim mesmo, de todos nós. A primeira nos revelando aquela promessa de que seríamos especiais, uma invisível aréola divina sobre nossas cabeças a nos marcar pela vida (desde então aprendemos a repelir a mediocridade); e a segunda, já defrontados à meia-idade com a frustração da primeira, nos reservando a consolação (falsa, mais tarde saberemos) de que jamais morremos, ou só morreremos no último milésimo de segundo, tarde, bem tarde, não esta noite.
O que nos liga do começo ao fim da vida, agora percebo, é uma expectavia contínua - que por meios renováveis se mantém viva. E essa difícil costura é intercalada por nós de frustações sempre maiores em peso e derivação do que as realizações.
Vamos avaliar os minutos em sua importância: vamos avaliar que sou um professor universitário, tenho 34 anos e passo meus anos nos corredores e salas de uma universidade, vivendo o incômodo de estar cada vez mais velho e a afronta de ter que conviver com jovens cada vez mais novos; eu cada vez mais sem paciência e, porque não dizer, saúde, eles cada vez mais eu num passado remoto, sempre debutantes de uma nova onda, calouros de um novo curso, estagiários de um novo emprego. Por mais que eu deseje, é impossível acompanhá-los.
É impossível esconder dos alunos pequenos recalques e afetações. Tento, mas quanto mais me esforço mais afetações adquiro. É quase uma inveja a me atormentar enquanto procuro explicar-lhes a lógica das regras gramaticais, bem diferente dos seus jogos amorosos repletos de surpresas e possibilidades. A tendência é que eu piore, a menos que nada mais faça barulho ou respire, nada mais interrompa meu exercício de visão direcionada a um infinito cada vez mais profundo e estrelado, o qual, agora aqui na praia, me atrai ao desejo de não existir em lugar algum, muito menos em uma sala de aula.
O céu vai desvandando os astros da noite. Não sei se estou de olhos abertos ou os fechei às primeiras sombras.

